quinta-feira, 29 de outubro de 2020

O dia que o patriarca da Independência tentou ser governador de Santa Catarina


      José Bonifácio de Andrada Silva viajou para Portugal em 1883, quando tinha 20 anos. Filho de uma família rica de Santos, litoral de São Paulo, o jovem brasileiro foi estudar na Universidade de Coimbra, onde se formou em Direito, Filosofia e Matemática. Percorreu a Europa em expedições científicas e fez uma carreira sólida em Portugal. 

      Cansado e com saudade da sua terra natal, Bonifácio pediu muitas vezes para voltar ao Brasil sem perder seus rendimentos. Em uma dessas solicitações, em 1812, sugeriu que dessem a ele a administração da então Capitania de Santa Catarina. Entre as atividades que pretendia exercer estava a pesca. 

José Bonifácio tentou ser governador de Santa Catarina para voltar ao Brasil 

      De tanto insistir, José Bonifácio conseguiu finalmente autorização para retornar sem perder seus rendimentos. Ele viajou no final de 1819, praticamente na mesma época que os colonos da Ericeira (Portugal) chegaram no Brasil. A ligação com o armador da Ericeira, Justino José da Silva, fundador da Colônia Nova Ericeira, pode ter facilitado o retorno. Justino tinha muitos contatos na Corte Portuguesa, além de ser amigo de Dom João VI.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Nova Ericeira

“Eu sou peixeira Sou a nova Ericeira Santa Catarina inteira Vim aqui representar...” Em junho de 2019, o grupo Tarrafa Elétrica lançou o álbum digital “Cardume”. Entre as oito faixas do álbum, está à canção Nova Ericeira. Além dos vocais de Evandro Che e Rívia Mickaelly, a música conta também com a participação do Grupo de Percussão de Itajaí.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

A Independência da pesca no Brasil

     Desde 1785, um decreto permitia apenas a armadores portugueses a exploração pesqueira no país. O tempo passou, o Brasil se tornou independente de Portugal em 1822, proclamou a república em 1889 e o decreto permaneceu válido sem que nenhum governo se preocupasse com o setor pesqueiro. A mudança veio 154 anos depois, em 1939, com o decreto do presidente Getúlio Vargas proibindo estrangeiros de explorar profissionalmente a pesca.

    A primeira tentativa de autonomia foi à criação da Colônia Nova Ericeira em 1819. O primeiro empreendimento pesqueiro do Brasil só ganhou a benção de Dom João VI por ser uma ideia de um português, o armador da Ericeira, Justino José da Silva, que tinha bons contatos na Corte Portuguesa. Silva também não tinha muitas pretensões com a pesca no Brasil e sua preocupação era recuperar seu prestigio político perdido em Portugal.

    No ano que foi oficialmente instalada o primeiro empreendimento pesqueiro nacional, os portugueses abasteciam os grandes centros urbanos do país com peixe salgado. Sem planejamento e prejudicado com a concorrência desleal dos armadores de Portugal, que ganharam alíquota zero nos impostos para exportar pescados ao Brasil, a Nova Ericeira foi extinta em 1824.

    Na década de 1830, o governo brasileiro autorizou a criação de uma nova colônia pesqueira, agora comandada por brasileiros. A colônia foi aberta no Arquipélago de Abrolhos, na Bahia, destinada à pesca da garoupa e teve o mesmo fim da Nova Ericeira.

    Em 1846, aconteceu o primeiro registro dos pescadores do Brasil. Vinte anos depois apareceram as primeiras indústrias de salga no país. Mesmo em 1866, a concorrência estrangeira, principalmente portuguesa, dominava o setor pesqueiro de norte ao sul do país.

                                                  Cais do Porto de Porto Alegre, século XIX/Pinterest

 

Independência da pesca no Brasil

    Mesmo com a Proclamação da República em 1889, o cenário continuou o mesmo. Tudo começou a mudar depois da Primeira Guerra Mundial, quando foram criadas as primeiras colônias de pescadores no Brasil. Fundada a partir de 1919, a entidade foi uma iniciativa da Marinha de Guerra. Além de defender a costa brasileira, as colônias tinham a função também de suprir a produção de pescado no Brasil, que até o começo do século XX exportava parte do peixe capturado.

   Antes da criação da Confederação dos Pescadores do Brasil em 1920, a relação do Estado com pescadores se caracterizava pelo assistencialismo. O governo brasileiro prestava serviços gratuitos em embarcações, doava redes e oferecia serviços de saúde. Com objetivo de treinar, militarizar e cultivar o civismo entre os jovens, o Estado ainda construiu escolas para os filhos dos pescadores, que receberam o nome de “Escoteiros do Mar”.

    No primeiro dia de 1923, a Marinha oficializou o estatuto das colônias de pescadores. As colônias ficaram definidas como agrupamento de pescadores ou agregados associativos. Para poder desenvolver a atividade os pescadores precisavam se matricular nas colônias.

    Com o Estado Novo da Era Vargas, os pescadores deixaram de estar subordinados ao Ministério da Marinha e passaram para controle do Ministério da Agricultura. O decreto nº 23.134/33, que instituiu a Divisão de Caça e Pesca, foi uma das mudanças que setor pesqueiro passou na época. O objetivo era gerenciar a pesca no país.

   Em 1934, uma nova mudança. Os pescadores deixaram de receber ordens do Ministério da Agricultura e ficaram dependentes da Divisão de Caça e Pesca.

    A independência definitiva da pesca no Brasil foi proclamada por Getúlio Vargas no dia 27 de outubro de 1939, por meio do decreto-lei 1.708:

“Somente aos brasileiros é facultado exercer e explorar profissionalmente a pesca, referindo-se igualmente aos armadores, administração das sociedades civis, comerciais ou industriais que explorem a pesca”.

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Os 25 que voltaram à Ericeira

Entre 1819 e 1821, aproximadamente 400 moradores da Ericeira deixaram suas vidas para trás para começar uma nova no Sul do Brasil. Enfrentaram uma viagem marítima incerta e cansativa. Depois de três meses no mar, chegaram à Enseada das Garoupas, em Santa Catarina. Isolados e longe de tudo, tiveram que lidar com falta de moradias e doenças como malária e febre amarela, tudo isso dentro de um ambiente insalubre, sem saneamento, água potável e alimentos. Começava assim a história da Colônia Nova Ericeira, o primeiro empreendimento pesqueiro do Brasil.

O tempo passou e as dificuldades aumentaram. As sesmarias entregues simbolicamente no primeiro dia, somente foram registradas nos nomes dos colonos em agosto de 1821, quando a colônia caminhava para o seu fim. A ajuda de custo até foi paga, mas chegava a conta-gotas e com atraso. O que nunca apareceu mesmo foram os barcos para a pesca marítima, as famosas rascas da Ericeira.

A tão sonhada independência financeira não veio, mas sim, a do Brasil em 7 de setembro de 1822. A separação criou um abismo entre Brasil e Portugal, que se refletiu nos projetos portugueses no Brasil, entre eles a Nova Ericeira. Além da Independência, a falta de planejamento, gerenciamento e principalmente a corrupção ajudaram a colônia naufragar antes mesmo do primeiro barco de pesca entrar no mar.

Com o fim à vista, muitos abandonaram a Enseadas das Garoupas e retornaram a Portugal. Quem tinha condições financeiras conseguiu fazer a viagem ainda em 1821. No entanto, a maioria não teve a mesma sorte. Lembrando que a passagem de ida foi paga pelo governo português. Os que ficaram foram obrigados a jurar obediência à causa da independência e tiveram que usar uma braçadeira de cor verde e amarela como prova de patriotismo. Depois de 1822, muitos colonos foram expulsos de suas terras e morreram na miséria.

Dos 400 moradores da Ericeira que vieram para a Enseada das Garoupas em 1819, apenas 25 conseguiram voltar a Portugal. Entre eles estava o fundador da Colônia Nova Ericeira, Justino José da Silva. Seu filho, Francisco José da Silva Ericeira, também deixou à colônia em 1821, mas depois de morar por quase dez anos no Rio de Janeiro, retornou a sua terra natal, onde foi presidente da Câmara Municipal e administrador do antigo Concelho da Ericeira.

O primeiro padre da colônia, Manuel Franco Serreiro, também estava lista, bem como os filhos do ex-tesoureiro da antiga Câmara Municipal da Ericeira, António Lopes da Costa Pacheco, Possidónio Lopes de Miranda e António Lopes da Costa Pacheco Filho. Já o pai e mais um filho resolveram ficar na Nova Ericeira. Outro morador que resolveu partir foi Felisberto Franco de Matos, rico negociante da Ericeira na época.

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

O esquema de corrupção que pôs fim ao primeiro empreendimento pesqueiro do Brasil

O dinheiro desviado seria usado na compra de barcos de pesca, por exemplo, as rascas, embarcações típicas da Ericeira
O dinheiro desviado seria usado na compra de barcos de pesca, por exemplo, as rascas, embarcações típicas da Ericeira

No dia 25 de março de 1818, Dom João VI assinou o decreto que criava a Colônia Nova Ericeira, o primeiro empreendimento pesqueiro do Brasil. Instalada na Enseada das Garoupas, litoral de Santa Catarina, a colônia recebeu no ano seguinte os pescadores, que vieram da Ericeira, uma vila portuguesa próxima a capital Lisboa. Chegaram também outras centenas de portugueses e brasileiros de outras partes do país.

         Na teoria, a colônia tinha tudo para ser um empreendimento de sucesso. O litoral brasileiro se encontrava inexplorado e com grandes cardumes à espera dos primeiros barcos. A Nova Ericeira prometia suprir o mercado interno de pescado no Brasil, que naquela época estava nas mãos dos armadores portugueses. Além abastecer o mercado interno, o empreendimento pesqueiro também iria gerar milhares de empregos e movimentar a economia de Santa Catarina.

         Entre 1818 e 1822, ano da Independência do Brasil, o governo português investiu uma pequena fortuna na colônia. O dinheiro deveria ser usado para compra de terras, casas e no auxilio financeiro dos colonos até que os barcos ficassem prontos. Foi disponibilizado um valor que daria para comprar cerca de 20 barcos de pesca.

O tempo passou e para revolta dos colonos nenhuma embarcação foi entregue. Ofereceram por empréstimo um barco velho “caindo aos pedaços”, que foi recusado. Os pescadores teriam que bancar a manutenção do barco e entregar parte do pescado capturado ao governo catarinense. Os colonos também ficaram insatisfeitos com a distribuição das terras, que além do atraso para receber o certificado de posse, estavam localizadas bem longe do mar.  

O governo que injetou milhões na colônia foi incapaz de administrá-la. Sem controle, caiu nas mãos de um grupo político, que montou um esquema de corrupção. Os barcos até apareceram, mas não foram usados no empreendimento pesqueiro e sim para os negócios de uma família tradicional catarinense. As terras também tiveram o mesmo destino.

A Colônia Nova Ericeira foi extinta em 1824 e substituída pela vila de Porto Belo. Dos cerca de 400 colonos que vieram da Ericeira, apenas 25 conseguiram retornar a Portugal. Os que ficaram foram expulsos de suas terras e muitos morreram na pobreza extrema. Outros conseguiram ainda arrumar emprego em barcos de pesca na cidade do Rio Janeiro.

Com o fim da colônia, o grupo político que lapidou os recursos destinados à compra de terras e barcos de pesca, fez de tudo para destruir provas e colocar a culpa nos pescadores. Os colonos da Nova Ericeira ficaram conhecidos na história como vagabundos, preguiçosos, que vieram de Portugal para ganhar dinheiro sem trabalhar. E, na verdade, foram as principais vítimas. Acabaram esquecidos pela história oficial, bem como o dinheiro desviado pelo grupo político.

Os bastidores desse esquema de corrupção estão no livro-reportagem “1818 — A história da colônia criada por Dom João VI que foi alvo de disputa entre brasileiros e portugueses no século XIX”. A obra está disponível nas livrarias Catarinense e no site da Amazon: https://www.amazon.com.br/dp/B082XG39K4